quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A Velha Graça.




Era uma velha engraçada aquela, não porque contasse piadas ou fosse divertida, mas por ser dona de um aparente magnetismo que atraía tudo e todos a lhe olhar, a perscrutando, questionando seus modos e o silêncio impresso na sua solidão. Solidão tão sua que parecia ter nascido com a mesma, companheira por sua própria opção. Todos os dias fazia o mesmo percuso, andava pela cidade, comprava coisas desnecessárias e gastava mais do que podia, só para poder falar com as pessoas e sentir-se alegre. Buscava nas pessoas o que a vida não lhe deu: filhos, marido, irmãos e amigos para amar. Na infância fora lavadeira, já na adolescência sabia toda arte de trabalhar para os outros, ganhando pouco e fazendo muito. Não tivera escola, casa própria e se transportava através de ônibus, já que veículos particulares, só para quem tivesse estudo e dinheiro. Mas aprendera, com Dona Selma, a escrever seu nome, era engraçado que só vendo as letras: G-R-A-ÇA, tinha que desenhar direitinho e cada letra tinha sua forma, difícil demais da conta, mas o nome era esse: Graça. Sua mãe, mulher forte e sabida, sempre lhe disse que o nome carregava muito da pessoa e, já que era assim, ter um nome aparentado com a palavra felicidade poderia ser meio caminho andado para ser feliz.







Que previsão engraçada! Tá certo, tem gente que sofre muito. Ô mundo danado de ruim, gente sem comida, dinheiro, cheio de doença, não podia reclamar, não, afinal, tinha saúde, casa alugada e podia andar todas as tardes pela cidade, como tanto gostava. Sentava-se religiosamente, as seis da tarde, no banco da praça, esperava o ônibus que levava para o centro e comprava uma tapioca do Seu Amaro. Ô trem gostoso, não sabia fazer igual. Tinha as de doce, queijo e até umas novas de carne, gente que sabe ganhar dinheiro é outra coisa. Assim pensava, quem ganha dinheiro é quem sabe e não quem quer. Parece destino mesmo, viu? Ah, lá chegava o ônibus de Dona Graça, que felicidade a lhe agir!. Era algo bonito de se ver, ela, lá, sentada nas margens molhadas de um banco velho esperando ansiosamente - todos os dias - seu velho ônibus para ver - novamente - suas velhas ruas, velhas casas e o registro de uma cidade que pouco mudou, só mesmo um bucadinho de gente tinha nascido. Conhecia todas. Seu prazer era inenarrável, sorria, sorria... quando tinha vaga para sentar-se próximo à janela, aí, sim, via as pessoas, as árvores e tudo que já conhecia, mas que tinha um novo significado, todos os dias.







Esse era o segredo dela, quando questionavam o porquê de tanta felicidade ao ver as mesmas coisas, odos os dias, tão comum... aí, com um largo sorriso, como se guardasse um segredo óbvio demais para ser questionado, dizia "Justamente por isso, existe presente mais bonito do que ter a mesma coisa, todos os dias e agradecer por ela? Não perdê-la e saber que é sua? Mais que isso, ver todos os dias, a mesma coisa e mesmo assim encontrar novas belezas, agradecendo o presente que Deus deu: a vida e, ao invés de ir longe buscar muito, saber que o seu muito, já está muito perto?" Que velha estranha, diziam eles ao ver ela, lá, partir depois desta longa resposta, que não fazia ninguém pensar ou entender o que ela quis dizer. Ela saía rindo, de fininho, afinal, que gente mais boba! Gente que esperava perder para sentir, morrer para ter saudade e achar que a felicidade era sempre algo longe de si e não algo que está sempre dentro, interno e presente. Gente que ia longe buscar o que já tinha e mais do que isso, não sabia agradecer o que tinha. Já tinha visto muitas coisas tristes na vida, mas nada, nada mesmo se compara com a tristeza de ver o vidente cego, aquele que tem, mas não vê. Coitado. Um ser que se olha e não vê nada, que tem e ainda sente falta, que reclama e não sabe o que já tem, de tanto que pensa no que não tem. Uma tristeza que só.







Assim, Dona Graça partia, rindo de si mesma, agradecendo pelo seu tempo, sua vida, e achava graça de toda aquela gente que pensava que ela era sozinha, só porque estava só. Que coisa mais besta! "Solidão não é ser só, mas sim sentir-se só". Um grande engano, pensava ela, agradecendo todos os dias à sua mãe ter lhe fazido Graça, farta de felicidade e alegre pelo que tem. O ônibus chegava e ela por ele seguia, via seus amigos, encontrava o que a vida não lhe deu e ao descer e partir para casa, com dores nas costas e suas sacolas a carregar, fazia uma pequena oração, agradecendo pelo seu nome Graça, que lhe dava, todos os dias, meio caminho andado para felicidade.






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